O amor nas frestas
Por Gabriel Tupy
PT-BR
Nossos sonhos não são feitos de sono, descanso e o fechar dos olhos. Creio que são construídos na rotina do dia, por memórias e afetos, até tudo ser embaralhado ao dormir.
O espaço onírico desse novo disco tem, portanto, lastro no que vivi, senti e observei ao longo da vida, mas, principalmente, nas coisas que me ocorreram nesse início de 2025. Ao compor essas canções eu tinha um lugar e algumas paisagens: meu novo apartamento e suas janelas.
No meio do ano passado, mudei com minha namorada para um pequeno apartamento em Belo Horizonte. Ao iniciar a composição do novo disco, faziam poucos meses que estávamos nos acostumando com um novo bairro, novas vidas e vistas. As alegrias, mistérios e angústias; e a felicidade de estar vivendo tudo isso, fez-me ouvir, tocar e compor músicas mais leves e simples: puro reflexo do sonho que estava vivendo.
Para coroar nossa nova casa ganhamos uma vista pra Serra, a linda Serra do Curral. Ao amanhecer, ela surge na janela do quarto refletindo o sol: é uma calma serra dourada. Ao entardecer, ela se ascende por dentro, com suas casas e prédios: uma viva serra pintada.
Foi apaixonante parar para olhá-la pela primeira vez desse novo lugar e momento da vida. Não sei se era o amor que vinha de dentro do nosso apartamento que criava essa majestosa Serra, ou era a vida da Serra que deixava nossa casa mais apaixonante. Viver sob isso é uma alegria imensa.
Não há como descrever as serras de Minas, da mesma forma que não sei descrever o mar da Bahia. Sei que sonho diversas vezes com eles: a Serra e o mar. Quando sonhei que estava indo de bicicleta ao Japão, passei por essas paisagens e pelas pessoas que vi e conversei nesses Estados tão presentes na minha vida. Mas também vi minha janela. De longe, ela e minha companheira me observando passar pela Serra que vive em frente do nosso apartamento. Pois me senti amado e apaixonado.
Ao caminho de Takamatsu havia uma janela. Uma janela que enquadrava minha vida inteira e meu amor pela mulher que fez isso acontecer até ali. O amor escapava pelas frestas do sonho e ainda transborda nosso lar. Ao compor o disco desse sonho, precisei só olhar para o lado, ver minha Maria contente de estar comigo, em estarmos em uma nova casa, uma nova vida e em um novo sonho. Valia a pena sorrir por isso. Diferentemente de “Correnteza”, mostrei “Da Janela do Nosso Apartamento” para Candioco com outro tipo de sorriso no rosto. Um riso de apaixonado bobão.
Candioco logo viu as possibilidades de arranjos inspirados em alguns dos nossos compositores favoritos. Lô, Milton, Beto e Toninho, que cantaram e compuseram tantas serras, tantos amores, tantos sonhos. Era construir a vista dessa janela mineira sob essas referências das nossas infâncias, que influenciaram tanto nossas composições durante a adolescência. E logo voltamos à adolescência arranjando a música, trazendo um formato de uma banda de rock brasileiro e psicodélico. Sonoramente, estamos homenageando sonhos passados, dando uma piscadela para nossas versões mais jovens.
Afinal de contas, sonhos não tem divisão de tempo e espaço. É Minas, Bahia, Japão, serras, litorais, infâncias, adolescências, vida adulta: tudo misturado. Também não têm fronteiras para as memórias e sentimentos que acumulamos em vida. Acabam sendo uma janela que dá para uma Serra, milenar, viva e auriverde. Infinita Serra, de infinitos amores, de infinitas possibilidades.
EN
Our dreams are not made of sleep, rest, and closing our eyes. I believe they are built on our daily routine, memories, and affections, until everything is shuffled up when we sleep.
The oneiric space of this new album is therefore grounded in what I have experienced, felt, and observed throughout my life, but mainly in the things that occurred to me at the beginning of 2025. When composing these songs, I had a place and some landscapes in mind: my new apartment and its windows.
In the middle of last year, I moved with my girlfriend to a small apartment in Belo Horizonte. When I started composing the new album, we had only been getting used to a new neighborhood, new lives, and new views for a few months. The joys, mysteries, and anxieties, and the happiness of experiencing all of this, made me listen to, play, and compose lighter and simpler songs: a pure reflection of the dream I was living.
To top it all off, our new home had a view of the mountains, the beautiful Serra do Curral. At dawn, it appears in the bedroom window, reflecting the sun: a calm, golden mountain range. At dusk, it lights up from within, with its houses and buildings: a vivid, painted mountain range.
It was thrilling to stop and look at it for the first time from this new place and moment in life. I don't know if it was the love that came from inside our apartment that created this majestic mountain range, or if it was the life of the mountains that made our home more exciting. Living under this is an immense joy.
There is no way to describe the mountains of Minas Gerais, just as I cannot describe the sea of Bahia. I know that I dream about them often: the mountains and the sea. When I dreamed that I was riding my bike to Japan, I passed through these landscapes and saw the people I had met and talked to in these states that are so present in my life. But I also saw my window. From afar, she and my partner watched me pass by the mountains that live in front of our apartment. I felt loved and passionate.
On the way to Takamatsu, there was a window. A window that framed my entire life and my love for the woman who made it happen up to that point. Love escaped through the cracks of the dream and still overflows our home. When composing the album of this dream, I only had to look to the side to see my Maria happy to be with me, in a new home, a new life, and a new dream. It was worth smiling for that. Unlike “Correnteza,” I showed “Da Janela do Nosso Apartamento” to Candioco with a different kind of smile on my face. A silly, loving smile.
Candioco soon saw the possibilities of arrangements inspired by some of our favorite composers. Lô, Milton, Beto, and Toninho, who sang and composed so many mountains, so many loves, so many dreams. It was about building the view from this Minas Gerais window under these references from our childhoods, which influenced our compositions so much during our adolescence. And soon we returned to adolescence arranging the music, bringing a Brazilian and psychedelic rock band format. Sonorically, we are paying homage to past dreams, giving a nod to our younger selves.
After all, dreams have no division of time and space. It's Minas, Bahia, Japan, mountains, coastlines, childhoods, adolescence, adulthood: all mixed together. Nor do they have boundaries for the memories and feelings we accumulate in life. They end up being a window that opens onto a mountain range, ancient, alive, and green and gold. Infinite mountains, of infinite loves, of infinite possibilities.